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Entre o afecto e a Lei: O papel jurídico da Madrasta ou Padrasto na Lei da Família Moçambicana
Entre o afecto e a Lei: O papel jurídico da Madrasta ou Padrasto na Lei da Família Moçambicana
Teresa Chelengo - Jurista e Presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família- Moçambique
No contexto familiar actual, é cada vez mais comum que alguém entre num casamento com filhos de relações anteriores. Mas urge a necessidade de perceber, quais são as implicações jurídicas para o novo cônjuge? Ele(a) adquire automaticamente deveres parentais? Pode tomar decisões sobre o filho do outro? Que limites existem?
A Lei da Família, em vigor em Moçambique, não impõe automaticamente o estatuto de pai ou mãe ao novo cônjuge, no entanto, reconhece a importância da convivência e da protecção da criança.
A criança continua sob o poder parental dos pais biológicos
O exercício da responsabilidade parental (antes chamado “poder paternal”) pertence aos progenitores, pai e mãe, e não ao novo cônjuge. Ou seja, casar com alguém que tem filhos não dá, por si só, poder jurídico sobre a criança.
A nova figura (madrasta ou padrasto) não pode tomar decisões legais como mudar o nome da criança, autorizar viagens, mudar a escola, ou interferir em disputas de guarda, salvo se houver autorização ou delegação legal expressa.
O papel afectivo e social da madrasta ou padrasto
Embora o novo cônjuge não detenha a 100% autoridade legal, a lei valoriza o bem-estar emocional da criança. O número 2 do artigo 3 da Lei da Família consagra o princípio do superior interesse da criança, o que significa que qualquer convivência afectiva, desde que positiva e estável, deve ser incentivada.
Se o(a) novo(a) cônjuge estabelece uma relação de afecto, confiança e apoio com o filho do outro, isso pode ser considerado favoravelmente em processos de guarda, visitas e convivência familiar.
E se o novo casal tiver filhos em comum?
Nesse caso, a convivência entre “meio-irmãos” é incentivada pela lei, e o juiz pode, com base no interesse da criança, estabelecer regimes de convivência ampliada, onde todos os filhos mantenham vínculos e sejam protegidos em ambiente equilibrado. A este respeito, de forma mais directa a Lei estabelece, que os pais não podem, injustificadamente, privar os filhos de conviver com os irmãos, descendentes, ascendentes e demais parentes.
Casar com alguém que já tem filhos exige mais do que amor, exige consciência legal, emocional e ética. A lei moçambicana protege a criança em primeiro lugar, e estabelece que o novo cônjuge não substitui o pai ou a mãe biológicos, mas pode tornar-se figura de apoio, afecto e estabilidade.
Em tempos de famílias reconstituídas e plurais, o papel do Advogado, Jurista e da sociedade é promover uma convivência respeitosa e protegida, onde os direitos dos filhos anteriores não sejam ofuscados por novas relações conjugais.
Recomendações para o novo cônjuge (madrasta/padrasto)
- Reconheça os limites legais do seu papel.
- Não assumas decisões unilaterais sobre o filho do(a) seu/sua cônjuge.
- A responsabilidade parental continua a ser exclusiva dos pais biológicos ou adoptivos.
- Construa vínculos de afecto, não de autoridade forçada.
- O amor e o respeito não se impõem, conquistam-se com tempo e cuidado.
- Evite interferências em conflitos entre os pais biológicos.
- Em casos de disputas entre os pais, o novo cônjuge deve manter-se neutro e respeitoso, mesmo tendo opiniões.
- A tua intervenção pode agravar a situação ou até prejudicar a relação da criança com um dos pais.
- Estabeleça uma convivência harmoniosa com o ex-cônjuge do parceiro/parceira
- Sempre que possível, incentive uma comunicação respeitosa com o pai/mãe da criança.
- Isso demonstra maturidade e ajuda a proteger a estabilidade emocional da criança.
- Evite favoritismos se tiver filhos em comum com o novo parceiro(a)
- Todos os filhos devem ser tratados com equidade e dignidade, independentemente da origem.
- A convivência saudável entre meio-irmãos é valorizada pelo tribunal em caso de disputa familiar.
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